2013/05/07

Como subir numa escada rolante


Por Rogério Silva

Subir por uma escada rolante não é tão simples como pode parecer. Em primeiro lugar uma escada rolante parece uma escada, mas não é. Só parece, mas é uma esteira, ou melhor, é uma escada rolante. Julio Cortázar mostrou como é uma escada convencional. “Nela frequentemente o chão se dobra de tal maneira que uma parte sobe em ângulo reto com o plano do chão, e logo a parte seguinte se coloca paralela a esse plano, para dar passagem a uma nova perpendicular, comportamento que se repete até alturas extremamente variáveis.” Descreve.
Quando você olha uma escada rolante parada, é quase isso o que você vê, mas quando ela entra em movimento tudo muda. Em movimento ela passa a ser uma esteira que sobe em formato de escada, movida por dois eixos paralelos situado em cada ponto da escada. Um embaixo, outro em cima. Ao lado, no alcance das mãos existem duas correias de borracha que se movem junto com a esteira (ou escada). Pode servir de corrimão, onde a mão fica parada.
Esse apetrecho é todo construído em metal, ocupam em espaço muito maior que uma escada convencional e é movido a energia elétrica. Sim, tem dispositivos de segurança e é de fácil manuseio. Até uma criança pode se conduzir sozinha, mas preferencialmente acompanhada de um adulto.
O método empregado para ascensão é parecido com a escada convencional. Abaixando-se e pondo a mão esquerda numa das partes verticais, e a direita na horizontal correspondente, fica-se na posse momentânea de um degrau ou escalão. Cada um desses degraus, formados, como se vê, por dois elementos, situa-se um pouco mais acima e mais adiante do anterior, princípio que dá sentido à escada, porém aconselha-se a olhar sempre para frente e manter a sua mão na correia preta de borracha para sua maior proteção e segurança. Ao inicio e ao fim da escada deve-se prestar a atenção para que os pés não fiquem presos. O mais importante é que uma vez na escada (ou esteira) a pessoa deve se colocar à direita da mesma e ficar parada, ou à esquerda se você for canhota. Sempre existem apressadinhos que preferem subir como na escada convencional, que quase sempre existe e ao lado dessa!
Se você estiver num shopping Center e quer ir a uma praça de alimentação, talvez tenha que repetir essa situação depois de encaminhar-se ao outro lado no andar que tiver alcançado. As praças de alimentação costumam ser sempre no terceiro andar. Talvez alguma superstição, não sei. Portanto será necessário repetir essa operação. Ao mínimo descuido acidentes acontecem, crianças e velhos caem, bolsas e saias ficam presas, ou qualquer outro tipo de acidente. Por isso é preciso muito cuidado! Às vezes ela para no meio do caminho, por defeito ou falta de energia, e você terá de continuar com o que aprendeu com Julio Cortazar. Se alguém tentar desobedecer à vigência do movimento e quiser subir enquanto ela estiver descendo ou vice versa, não se assuste. Geralmente acabam por obedecer ao sentido da escada.
Para sair, faça como aprendeu para subir e mantenha a calma! A modernidade chegou e as escadas nunca mais serão as mesmas!

2013/02/05

amores fugazes

pobres mulheres feitas de cicatrizes,
representam apenas suas dores febris
de muitos e ressentidos amores fugazes
que lhes machucaram os quadris!

cadê os parceiros efêmeros,
vindos sabe-se lá de onde?
que por elas passaram despercebidos
e sempre prometeram o céu e o horizonte?

ah! o horror da solidão
que não entende a partida
e depois do encontro, a servidão!

 nada resta dessa saudade desdita
nem o amor ou cheiro do vilão,
só lhe fica então a separação maldita!

2012/11/28

Tire suas mãos de mim

Talvez Ana Carolina tenha razão ao dizer que eu e você não é assim tão complicado, ou pelo menos não deveria ser. Eu e você é uma conjugação fadada ao erro. Erro da busca, erro do encontro, erro da aceitação ou não do outro. O outro que nos completa, não como uma metade, mas com um inteiro. Um inteiro que, como nós, tem desejos, angustias e esperanças. O amor nos pede sinceridade, altruísmo. Não é lugar para esperar boa fé e honestidade porque esses atributos já deveriam fazer parte do caráter das pessoas. Ou se tem ou não. Mas eu vou dizer uma coisa, amar e ser amado são coisas bem diferentes. Se confundimos isso, estamos ferrados. Amar, vem de dentro de si e não dá para confundir, é inequívoco. Já ser amado é uma crença e é claro que com o tempo e o comportamento do parceiro você acaba acreditando que existe. É consequência. Tire suas mãos de mim, não é me dominando assim, que você vai me entender e vai me ter, porque eu não pertenço a você. Será só imaginação? Será que nada vai acontecer? Será que é tudo isso em vão? Será que vamos conseguir vencer? Será. Por via das dúvidas é melhor ficar solto, livre para se encontrar alguém em qualquer esquina de Brasília ou do mundo, ou quem sabe na Ipiranga com Avenida São João.

2012/01/23

Vou-me embora pra Pasargada, Casa no campo, Minha cidade

Manoel Bandeira, Zé Rodrix/Tavito e Rogério Silva

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei

Onde eu possa ficar do tamanho da paz
E tenha somente a certeza
Dos limites do corpo e nada mais

Uma existência simples, numa simples cidade.
Simplicidade que aninha uma vida
Que de tão simples acalma o íntimo.

Dizer não ao burburinho da grande cidade,
À pressa, ao falatório proverbial,
À voracidade dos acontecimentos.

Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa compor muitos rocks rurais
E tenha somente a certeza
Dos amigos do peito e nada mais

Pela manhã caminharei
Com passos lentos
Para sentir a brisa do amanhecer.

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Eu quero carneiros e cabras pastando
Solenes no meu jardim
Eu quero o silêncio das línguas cansadas

Que me cantem os pássaros,
Façam-me visitas as cigarras, as flores efêmeras,
Os girassóis, os amigos e a boa música!

Quero os dias a passar devagar.
Sempre vivi sem pressa!
Quanto mais agora que me falta menos!

Eu quero a esperança de óculos
E um filho de cuca legal
Eu quero plantar e colher com a mão,
A pimenta e o sal

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

Encontrarei nela tempo para amar
As pessoas, a natureza
E as coisas pequenas.

Aos amigos cederei um dedo de prosa.
As crias serão alimentadas
Como convém.

Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal, pau a pique e sapê
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros e nada mais

Os livros me contarão histórias
E a minha simples cidade
Será plena de tudo!

Após o almoço uma sesta
E à noite o vinho me fará companhia
Ao som meloso do jazz.

Vou-me embora pra Pasárgada

É assim a simples cidade que desejo!
E muito mais minha do que eu dela!
Para ela serei apenas a simplicidade!

Eu quero uma casa no campo
Vou-me embora pra Pasárgada



2011/12/16

Mão

Mão fim do abraço
doação, benevolência, acolhimento.
mão amiga.
mão magia, afago, mulher.

2011/05/27

a velha senhora digna (antitese de Bertold Brecht 1898-1956)

Martha, mãe de muitos filhos.
durante muito tempo
um na barriga, outro no peito
e mais um na barra da saia.

criou para o mundo os filhos,

sobrinhos e netos, as vezes...
envelheceu majestosa e firme.
sem estudo, mas com sabedoria.

fazia quitutes/quitandas, broa de milho,
cocadinha que não leva coco,
queijadinha que não leva queijo...
não importa!

“sabe por causa de que?”
era seu jeito de começar uma prosa.
fala mansa e fugidia
como convinha já pela idade.

os netos eram sempre bem-vindos,
bem amados e protegidos.
dos filhos, escondia os problemas de cada um
como a macaca cata parasitas em seus filhotes.

genro, convivi perto dela
o tempo suficiente
para conhecer a vencedora que era
na sua faina sem louros, faixas ou medalhas.

pessoa amorosa e dedicada
cuidava de tudo com harmonia.
incansável presença
vaidosa e bela.

pela proteção rezava e pedia aos céus
no incansável modo de viver.
pelejava contra a finitude,
a decrepitude e a velhice...

mas num tombo,
a vida perdeu e pereceu.
luta desigual, mas com dignidade
ficou apenas o seu desejo de viver.

2010/12/11

minha cidade

uma existência simples, numa simples cidade.
simplicidade que aninha uma vida
que de tão simples acalma o íntimo.

dizer não ao burburinho da grande cidade,
à pressa, ao falatório proverbial,
à voracidade dos acontecimentos.

os dias a passar de vagar.
sempre vivi sem pressa!
quanto mais agora que me falta menos!

que me cantem os pássaros,
façam-me visitas as cigarras, as flores efêmeras,
os girassóis, os amigos e a boa música!

os livros me contarão histórias
e a minha simples cidade
será plena de tudo!

encontrarei nela tempo para amar
as pessoas, a natureza
e as coisas pequenas.

pela manhã caminharei
com passos lentos
para sentir a brisa do amanhecer.

aos amigos cederei um dedo de prosa.
as crias serão alimentadas
como convém.

após o almoço uma sesta
e à noite o vinho me fará companhia
ao som meloso do jazz.

é assim a simples cidade que desejo!
e muito mais minha do que eu dela!
para ela serei apenas a simplicida
de!

2010/07/21

nome mulher

mara maria,
marialva, branca de neve.
marina marinada
flor de flaurete,
flor de lis!

lírio do campo,
como rosa rosália
e azul celeste.
conceição!
ah, conceição,
eu me lembro muito bem!

nada há de conceição
nem mesmo ceder.
a dor, das dores.
dos prazeres.
camélia cama e amélia

mas iris vê,
natalia nasce,
silvia sibila,
vera a verdade
e norma organiza.

mas somente você
pode ser a maria
que é o começo de tudo.
seu nome na minha mão!

2010/06/26

De conchinha

Por Rogério Silva

- Benhê!
- Ann!
- Chega pra cá!
- Mas eu já estou no meio da cama!
- Chega mais perto. Eu não mordo não!
- Eu sei.
- Mas eu quero sentir você bem pertinho de mim!
- Tá, mas tira esse troço daí!
- Que troço?
- Isso aí, parece mais um E T!
- ÉÉÉÉ TE?
- É empata tesão!
- Ah! Isso aqui é o Janjão!
- Janjão?
- É o nome que eu dei pra ele. O médico recomendou que eu usasse um travesseiro entre as pernas por causa das dores na coluna.
-Sim! Ele recomendou um travesseiro. Mas vamos combinar: isso aí é um almofadão! E dos grandes!
- Num fala assim do Janjão. Ele me ajuda tanto a não sentir dores.
- Tá legal! Mas ele está mais para os porcos espinhos da história, do que para um remédio.
- Que história?
- Schopenhauer, lembra? Ele dizia que os porcos espinhos têm que ficar o mais próximo para se esquentarem no inverno e o mais distante para um não espetar um ao outro.
- Por isso é que você acha que estou longe?
- O pior é que isso aí incomoda!
- Ah! Esquece. Vou tirar o Janjão. Chega mais perto.
- Tá!
- Me abraça, vai! Passa as mãos nas minhas costas. Desabotoa o meu sutiã. Ele está me apertando muito!
- Está bom assim?
- Está. Mas agora tem que coçar.
- Você é muito mimada, sabia?
- Eeeu?!
- É. Mas agora vê se fica quietinha e vamos dormir. Não puxa tanto o edredom, está me descobrindo as costas. Nossa, como está fazendo frio!
- Você está reclamando de barriga cheia, tem gente que não tem nem um lençol daqueles fininhos, feito edredom de  motel, para se cobrir.
- Ah! Mas isso é outra coisa!




- Brrrrr, rommm. Brrrrr, rommm. Brrrrr, rommm!
- Já dormiu?
- Eu já estava quase. O que é que você quer agora?
- Você viu como a Marilda estava vestida na festa do Ziraldo? O Chico está cada vez mais a cara do Ziraldo. Você não acha?
- Puxa, é mesmo! Eu sempre me assusto quando chego lá. Sempre penso que é ele em pessoa. Ainda mais agora que ele também pegou a mania de usar coletes.
- Marilda estava ridícula. Aquele cabelo horroroso deve ter custado uma fortuna e parecia uma perua com aquele vestido amarelo e sapato verde. Disse que é por causa da copa do mundo! Não combina nada! Para piorar ainda mais com aquela cinta azul e larga e com bolsas de cada lado. Ela era apropria bandeira! Estava um horror!
- Você sabe que eu não reparo essas coisas. Pra mim se tiver bastante uisquinho com gelo e uns salgadinhos, está bom.



- Benhê. Vamos dormir de conchinha?
- Mas já estamos juntinhos!
- Eu quero você mais pertinho. Passa a sua mão na minha barriga. Mas não pensa em saliência não. Eu ainda estou menstruada. Ah! Por que virou? Vira pra cá, vai!
- Pô! Você tem sempre que cortar o barato quando a coisa está ficando boa!
- Desculpe querido! Mas eu tinha que avisar, né?!
- Bem, então vamos dormir! Amanhã eu levanto cedo!



- Rommmmm bzzzzzz! Rommmmm bzzzzzz! Rommmmm bzzzzzz!
- Puxa! Agora quem perdeu o sono fui eu...!

2010/05/14

MINHA ROSA MEU JASMIM



J. PEREIRA

VIDA BOA
A VIDA QUE VIVO AQUI
VIDA BOA
VIVENDO JUNTO DE TI
VIDA BOA
NOSSO LAR
COMO É TÃO LINDO
VIDA BOA
VOCÊ PERTINHO DE MIM
VIDA BOA
JAMAIS SERIA MELHOR
SEM TER VOCÊ A MEU LADO
MEU BEM MAIOR
MINHA FLOR TÃO PERFUMADA
MINHA ROSA MEU JASMIM
DONA DO MEU CORAÇÃO
MINHA FLOR MEU QUERUBIM

VOCÊ É MINHA PRINCESA
DONA DESSE MEU JARDIM
VOCÊ É MINHA PRINCESA
DONA DESSE MEU JARDIM

2010/03/03

Amor ardente




lábios de mel


oh! doce criatura
de lábios de mel!
peito de ternura
e vida feita de fel!

busca um sonho antigo.
caça pungentemente,
num coração amigo,
um grande amor ardente.

singela e fugaz
traz no peito clemente,
sua alegria vivaz!

deixa em mim, o ciúme
num pranto. abatido e doído,
como a essência de um perfume!

2009/12/27

E SE NÃO SE SOUBESSE CONTAR ATÉ DEZ?



Sempre há uma vantagem em saber
contar até dez, até porque já contou
os nove anteriores.
Sempre há a possibilidade
de contar até onze.
É verdade!
Na série dois mil anos,
já contamos dez anos.
O ano que vem, e que já está na porta
é o começo do ano onze.
Mas não é dois mil e dez?
É, mas será
o décimo primeiro deste século?
Não! Será o décimo mesmo!
O século começou de verdade
no ano dois mil e um!
Deixa ver se eu entendi!
O que comemoramos entre os anos
mil novecentos e noventa e nove de dois mil?
Nada. Apenas uma mudança de ano
como os demais.
Alem da confusão que aconteceu
com alguns computadores.
Ficaram loucos!
E deixaram seus donos mais loucos ainda.
Como ninguém nasce com um ano de idade,
O século também fez o primeiro aniversário
em dois mil e um!
Enquanto você fica aí contando nos dedos
os anos deste século
ou do milênio,
Eu aproveito para desejar a você!
Feliz dois mil e dez!

2009/10/04

Acróstico torto

Os universitários viajavam em pequenos grupos durante as férias de inverno. E naquela noite fria reuniram-se em volta da fogueira para as cantorias ao som do violão. Marcos não era muito bom nessa arte, mas arranhava alguma coisa, enquanto que Pedro, esse sim, era muito bom. O repertório de Marcos também não era dos melhores. Contudo faziam duos ou solos. Pedro e Marcos eram muito amigos e inseparáveis. Fizeram muitas das traquinagens da adolescência juntos, mas nesta viagem estavam em campos opostos. Eram três rapazes e quatro moças. Luiz e Carolina já namoravam há três anos. Ana Paula, Júlia e Flávia estavam sozinhas, mas quis o destino que Marcos e Pedro empreendessem uma disputa velada por Ana Paula. Ela era a única do grupo que não era universitária. Era professora primária. Foi aí que ele descobriu que Pedro tinha um ás na manga quando começou a tocar as musicas mais difíceis de Chico Buarque, de João Bosco e alguns blues. Marcos ficou admirado, pois nunca o tinha visto tocando aquelas músicas. Sentia que perderia a disputa se não fizesse algo, rápido, para superar Pedro. Ana Paula de tímida não tinha nada, mas também não era sapeca. O que mais lhe chamava a atenção era a sua beleza. Olhava para os dois com a mesma ternura angelical e não demonstrava o seu interesse particularmente por nenhum dos dois ou para os dois.

Na disputa, a cada investida, um olhava para o outro numa atitude de duelo e desafio. Ana Paula impassiva olhava para eles com a sua candura peculiar. Júlia e Flávia viviam para lá e para cá provendo o grupo de bebidas e tira-gostos. Luiz e Carolina pareciam sentir mais frio que os demais e se comprimiam em abraços entremeados de beijos apaixonados.

O duelo estava deixando Ana Paula cada vez mais excitada, sempre que percebia que aqueles cânticos se dirigiam a ela. Nessa altura ela demonstrava carinho para ambos com um certo charme feminino que provocava Marcos cada vez mais.

Aproveitando o intervalo em que comiam e bebiam alguma coisa, ele pegou um pedaço de papel e uma caneta e quase de uma vez escreveu:

Aqui reunidos em volta da fogueira
Nasce uma grande paixão que
Anima-se em meu peito

Palpitando de emoção,
Ardor e devoção.
Urge pois uma atitude
Lugar provável de
Amor e sedução.

vê-la tão só e desprotegida
acode num martirio
todo o fervor e a empolgação
desse acróstico torto.

Mal acabou de escrever entregou a Ana Paula, que começou a ler. Ele observava todos os seus movimentos quando percebeu uma lágrima escorrer por entre os olhos.

Marcos vibrava. Certamente ganhara a contenda, pensou. As lágrimas eram a demonstração inequívoca de uma paixão correspondida. Também nele surgiu uma pequena lágrima de merecimento por tal comoção. Lágrima que mal se pronunciava, logo interrompeu-se diante da tapa que ele levou. Dada de palma da mão aberta e com impulso de quem leva a mão lá atrás para voltar com toda a força.

Foi a tapa mais doída que recebeu em toda a sua vida. O deixou abatido por alguns instantes. Até o fogo parou de crepitar nos seus ouvidos. Parecia que ele seria encerrado numa masmorra, preso a ferros para só sair de lá depois de muito velhinho. Ela correu para um dos quartos com o papel na mão. O papel queimava- as mãos e a alma. Ele correu atrás dela na esperança de entender os motivos ou mudá-los.

Debruçada sobre o travesseiro chorava e soluçava. Ele olhava-a nesse estado de desamparo com as nádegas avolumadas pela posição, como uma oferenda. Isso aumentava, ainda mais, o seu ardor. Júlia e Flávia também acudiram. Xingavam e agrediam Marcos em cumplicidade com Ana Paula. Marcos tomou-a pelos ombros e virou com uma interrogação. O que houve? Pergunta que não chegou a fazer, pois ia tomar outra tapa que não se concretizou porque ele, instintivamente, segurou o seu pulso. Frustrada pela nova investida, ela rasgou o papel jogando-o ao chão e voltando a cara para o travesseiro em nova sessão de choro.

Júlia calmamente abaixou-se pegando o papel rasgado e retirou-se do quarto seguida por Flávia e por ele. Elas lhe lançaram um olhar que cheirava ódio e desprezo , tomando as dores da amiga.
Marcos retornou à fogueira com a cara mais bestificada que lhe acudiu. Pedro dedilhava um blues “Do nothing till you hear from me” (1) que, fez-se ouvir como se Ella Fitzgerald estivesse cantando.

Nunca sentiu tanto ódio em ouvir aquela música, como naquele momento. A cara de deboche de Pedro o irritou como nunca. Parecia dizer: eu não ganhei, mas você também não ganhou!

E nesse momento dedilhava “I cried for you” (2), olhando-o com escárnio e superioridade. Julia e Flavia, as inseparáveis, surgiram com sorrisos escandalosos. Traziam os pedaços colados com durex e repetiam em voz alta:

acode em meu ser
todo o fervor e a empolgação
desse acróstico torto.

Foi por causa do seu acróstico torto, disse apontando para Marcos. A gargalhada agora era generalizada e até Pedro parou de tocar para gargalhar também.

Marcos apenas balançou a cabeça, lado a lado: “o que eu faço com alguém que não sabe o que é um acróstico e muito menos torto?”

1-Não faça nada antes de me ouvir
2-Eu chorei por você

2009/08/31

saudade



saudade para quem ama
é como se fosse a flor
que de todo seu esplendor
ainda não se sentisse o aroma.

é como quem fica na cama,
imerso na lembrança do que for,
sem sentir ainda a dor
e espera noticia com calma.

partir também dói,
pois fica o silêncio
que no peito corrói.

saudade é a nostalgia
do objeto amoroso perdido
que esperamos volte, um dia.

2009/08/22

o amante



sim, eu sou amante!
amante de tudo,
amante da vida, das coisas,
do que há adiante!

como viver sem amar,
sem sentir, o frio na barriga,
a dor na espinha,
os olhos enunviados?

lágrimas que correm
e escorrem como cachoeiras!
dizem no seu ritmo
o que acontece no seu intimo!

caricias desejadas,
incontidas e amadas.
desejo de posse
nunca atingido!

poetizar sobre o desejo
poetar sobre a alma
fazer do desejo um queijo
e degluti-lo com bom vinho e calma!

ah doçura, encantamento,
de uma prece ao relento!
do convívio desamparado
e do amor desesperado!

sabedoria mínima
de um coração sereno
que em minh’alma anima
e faz de mim um ser pleno!

sim, sou amante e não nego.
faço destes versos um alento
e espero como um cego
de ser lido a contento!

2009/08/16

Poesia numa hora dessas?

Por Martha Medeiros*

Peguei emprestada a expressão que o Verissimo usa para apresentar seus poemas. É que eu quero falar justamente sobre poesia, um assunto que me parece emergencial, apesar de que tudo leva a crer que não é o momento. Gente morrendo por causa da gripe H1Nl, o Sarney insistindo no "daqui não saio, daqui ninguém me tira" e psicóloga se dedicando a "curar" gays, francamente: poesia numa hora dessas?

É que estive no Rio duas semanas atrás e, além do divertido e caloroso encontro com os leitores aqui da revista para comemorar os cinco anos desta publicação, participei também de um recital poético organizado pela escritora. e atriz Elisa Lucinda em sua Casa Poema. A Casa Poema nada mais é do que uma utopia levada a cabo. Elisa mantém uma casa antiga em Botafogo onde ela ensina pessoas a ler poesia, dizer poesia (o verbo "declamar" é proibido) e gostar de poesia. Promove bate-papos com escritores, faz audições públicas da obra de inúmeros autores brasileiros, abre espaço para pequenas apresentações e para sessões de autógrafos, tudo de forma muito afetiva e sem luxo. Só pelos serviços prestados, a Casa Poema deveria ser tombada pelo Patrimônio Histórico. E Elisa deveria ser tombada junto, porque o que ela faz é suprir uma carência dos nossos currículos escolares: ela educa para a sensibilidade e os sentidos.

Elisa me deu de presente o livro que transcreve o encontro que ela teve na mesma Casa Poema com o escritor Rubem Alves. Corra e adquira o seu, foi lançado pela editora 7 Mares. Nesse livro, Elisa e Rubem discutem sobre o desserviço que é obrigar uma criança a ler um livro de que não gosta, sobre o poder que a arte tem de transfigurar maus destinos, sobre o quanto a poesia pode ensinar tudo (geografia, história, matemática) e como não há jeito de se reter conhecimento se não houver emoção. E eles vão mais longe: acusam os professores que empurram livros goela abaixo de seus alunos sem eles mesmos estarem "tomados" pela beleza e importância do que estão recomendando, e aí, lógico, não conseguem ensinar o prazer da leitura. Aliás, é bom lembrar que encantamento deve começar em casa. Não é à toa que as crianças que ouviram seus pais contando histórias são as que, quando adultas, mais se sentem atraídas pelo universo mágico da literatura.

Escutar um poema. Falar um poema em voz alta. Perceber seu ritmo, sua música, sua comunicabilidade. Elisa Lucinda tem o talento de transformar qualquer verso em algo fácil e acessível. Ela prova por a + b que poesia não precisa ser um troço chato. Quando uma amiga lhe telefona contando sobre uma dor íntima, Elisa saca na hora um poema para ajudá-la a entender melhor o que está sentindo. Elisa é uma outra espécie de doutora: prescreve poesia. Um Tamiflu emocional que ela distribui generosamente.

Mas poesia logo agora que a bruxa está solta no espaço aéreo, que há censura aos veículos de comunicação na Venezuela (e, em alguns casos, aqui também) e que os políticos estão perdendo as estribeiras e deixando caírem suas. máscaras em plenário?

Pois é, me pareceu um momento oportuno.

Email: martha.medeiros@oglobo.com.br

Pois é! Como deixar de publicar um texto como esse. tanto pela beleza do seu escrio quanto pelas importantes informações que ele contem.

*Texto publicado na Revista Domingo - 16 de agosto de 2009 - ELA DISSE - do Jornal O Globo.

Espero, portanto estar prestando um serviço.
Abraços Rogério




2009/08/06

contos e cantos



cada conto contado
concentra centenas de charadas.
casta criatura conta às crianças
como começaram os casos castos.

certo carteiro corria
como curumim
carregando as contas comandadas:
créditos, credos e convites

no caminho continha centenas
de casas cuidadas com canteiros.
casa em casa, caiadas e com cachorros
que cobriam cada calçada.

continham colégios, cemitérios,
camelôs e carrocinhas.
criaturas civilizadas
conversavam como comadres.

cada criança
contava centavos
para comprar Crush, cuscuz
e concluíam comprando cocadas.

como nos colégios
os colegas colocados em circulo
cantarolavam contos
criados como convinham.

2009/07/29

Feliz aniversário!



se o amigo de mim duvidar
das coisas que tenho a dizer,
deve ao menos concordar
que uma rima eu sei fazer.

é com emoção que aqui digo:
seu aniversário viemos comemorar!
juntando irmãos, cunhados e amigo
saboreando uma comida de bom paladar.

na vida, cada ano que passa
buscamos coisas que nos dão prazer
fazemos de tudo com muita graça.

são essas coisas que nos comove
por isso desejo aqui
um feliz sessenta e nove!

A Celso, bom amigo e cunhado!

2009/07/25

Voracidade visceral


a vontade de viver várias vidas
como vozes vistas a voar
e variadas vezes
em verdadeiras viagens.

vive a varíola, as varizes
a varicela e a ventania,
das vísceras viscosas
na vida dos viventes.

e varre com ventos violentos
as vaidades e veleidades vãs,
variando nas vontades
vossos vistosos vultos.

o que vale na vida?
vale a vontade viajar na vila
com vossas valas, vossos vestíbulos
e vossas varandas.

mas o velho verbo vive,
na vácuo da vulgata do vernáculo.
a voracidade visceral
da vontade de viver!

2009/07/17

G, o ponto


gosto grátis
gasta gás
em gamelas
de guloseimas em gotas.

gentis gestos
garimpando, graciosa gruta,
genuínas gotículas de gozo
da garota no ponto G.

a grande glande genital
garante guerras gerais
na garganta germinal
de gametas geminais.

os gêmeos gemem,
as gralhas gralham.
gente gosta do grito.
gato e gata gastam grunhido

e gradativamente,
generosas gargalhadas
garantem o gesto
das gurias gravidas!

2009/06/30

Desilusão


não adianta bater na minha porta

que eu não vou abrir.
não vou, não abro não.

fiz de você uma rainha
e você me esnobou.
bateu com a força
no meu coração
fez dele um pandeiro
que até as platinelas choraram.

não quero mais.
meu coração não é de couro de gato
e você bateu nele sem dó nem piedade.
e agora que você está só.
me procura falando de amor.
cansei de ser usado para o seu deleite.

não adianta bater na minha porta
que eu não vou abrir
não vou, não abro não.

2009/06/11

Particípio passado


é muito difícil pensar na velhice
quando se é jovem.
quando a idade avança
o irremediável se apresenta.
não dá mais para procrastinar.
envelheci.

tive poucos amigos
que me ajudaram nessa tarefa.
o espelho foi um. arrumou
um jeito de me enganar.
sempre me mostrava o todo
não me permitia os detalhes.

aquela ruga nova não era notada
porque vinha junto com as outras.
aquele olhar triste, hoje
só era mais triste que ontem
e ontem eu nem percebi.

minhas pernas, meus olhos e ouvidos,
todos ficaram mais tímidos
e se acanharam em me acompanhar,
como no tempo da juventude.
os dias passam como sempre!

os pés, já não caminham como antes.
passado descompassado.
confusão de ontem
como há muito tempo atrás.
não sei!
já não é a mesma coisa!

2009/06/10

Cenário


sala grande e vazia
mesa no canto, um sofá.
na mesa restos de comida às moscas.
nenhum quadro na parede.
o sol entra pela nesga da janela.
portas abertas dão para os quartos
vazios, completamente nus.
banheiro e cozinha também.
nenhum som.
vem do lado de fora, a luz.
deitado no chão da sala jaz.
o corpo sem vida. faz dias.
o cheiro fétido invadia toda a casa.
no bilhete a despedida
de um amor que partiu.
partira-lhe o coração.
abandonado viveu.
abandnado morreu.

2009/06/09

Sonho e prazer

por camila maldonado

se a noite de repente acordo,
adoro abrir seu pijama.
com meus dedos, percorrer todo o seu corpo
e me sentir senhora de cada centímetro.
me apodero bem devagar.
invado sua alma,
percorro o labirinto de seus pelos.
como uma ameba disforme
transformo-me no seu ser.
estou nua, despida de preconceito.
tomo posse de tudo.
posso amá-lo sem pudor,
sentindo em mim todo calor de seu corpo.
arfando num vai e vem de prazer
vou às nuvens, à estratosfera.
quero gozar, mas como uma ordem
espero o seu ritmo,
acompanho o seu corpo vibrando no meu
num momento de prazer e volúpia.
como uma explosão chegamos ao orgasmo.
juntos, nossos líquidos se misturam
deixando no ar um único aroma.
volto a dormir.
quando acordo e vejo-o dormindo ainda,
docemente, tranqüilo e sereno.
sinto-o ainda dentro de mim.
com a sensação de que
tudo não passou de um sonho

2009/06/02

Acordei chuva


cobri o céu com um manto de nuvem
no ensolarado dia de outono
só pra te molhar.
transformar as suas vestes
numa pele do seu corpo.
eu chuva, sua roupa e o seu
corpo apareceríamos nus.
encharcaria seu cerne,
seu intimo.
seu ser
seria.

2009/04/11

Pintura de parede

na parede pendida,
para portar pintura
ou pichação.
parecer painel ou portal.

para praticar a piedade
purificando a parte pudica.
pintaria por puro prazer,
parte prima da puritana.

poderia produzir uma pintura pobre,
porém pintaria o púbis.
pelos pequenos parecendo prisma,
perto do ponto principal.

percorreria pois,
peitinhos pontiagudos,
pedindo prudência
pela permissão.

posteriormente poria pros pés
a palidez pélvica perdida.
pequenos pontos pretos
produziriam piadas picantes.

parolas, preces e pecaditos
partidas das pessoas
poriam panos pífios
para pequenos prantos.

pobre pirralha!
planejava portar paisagem,
porem passou
para pintura de parede!

pobre pirralha...!


2009/04/01

uma palavra


havia uma palavra a ser dita.
havia uma palavra perdida.
havia uma palavra proscrita.
havia uma palavra maldita.
havia uma palavra contida.
havia uma palavra
uma única palavra
havia.

há via...
uma palavra
que se extravia
e fica perdida.
contudo pedia,
queria ser dita.
para ser vida,
ser útil, pudera...


útil pudera!
apenas isso!

2009/03/29

A dor e a espinha


a idade quando avança
leva da gente a esperança.
de na velhice encontrar
uma saúde exemplar.

a infância nem se dá conta,
e na juventude esbanja,
o adulto que no corpo apronta
vira idoso murcho como esponja.

a dor é causada pela ruína:
torácica, lombar, pélvica ou cervical;
do material fibroso e gelatina
no disco intervertebral.

a coluna é a espinha vertebral
para sustentar o resto do esqueleto
tem um canal que repleto
do tutano, a medula espinhal,

dos forames intervertebrais
saem nervos nas aberturas laterais.
lordose, cifose, cervical, lombar
e cifose sacrococcígea, o mal estar.

na lombar por cinco vértebras
em pares, as raízes nervosas espinhais
o forâmen lateral pinçado
provocado pelas hérnias nos discos locais.

os métodos conservadores
deve sempre procurar
fisioterapia, rpg e pilates,
acupuntura, hidroterapia e florais de barr

quando nada disso der resultado
o ortopedista ira indicar:
procure um neurocirurgião
que só ele pode lhe curar.

o medico vai pedir então,
ressonância magnética e raio x
e indicar a cirurgia com razão
para aliviar o infeliz

aos que tem instabilidade vertebral
o fixador dinâmico é a indicação,
colocado no espaço interespinhoso
vai suprimir a mobilidade da articulação

reduz as tensões nas articulações posteriores,
para prevenir e reduzir a dor lombar.
é uma técnica minimamente invasiva
restabelecimento rápido e salutar.

se de todo a dor não vai embora
resta apenas o consolo
de que quando a dor persiste
é porque vida, ainda existe!

2009/03/18

CIRURGIA DE COLUNA VERTEBRAL

Aos leitores deste blog

Estarei ausente a partir do dia 21 deste mês por motivo de cirurgia na coluna vertebral lombar.
A cirurgia será realizada no Hospital Espanhol pelo Dr. Antônio Ribas.
Grande abraço de Rogério

2009/02/23

Soneto da última hora

quão egoísta é o poeta,
que fala das dores do seu coração,
sentidas pela falta dela
e sem por ela ter tido consideração.

caminhos tortuosos e lúgubres,
trazem lembranças possantes.
amores dos tempos púberes
revivem sentimentos constantes.

ah, como dói ouvir um não!
onde o sim foi muito pedido
e nem se quer abriu-lhe a mão!

ela partiu com o coração ferido.
ele ficou com o coração magoado.
e dela o seu ultimo som: querido!

2009/02/08

Máscaras

Por Selma Monteiro Pereira

Um rosto mascara,
em um sorriso perene,
a dor de existir.
Oculta nos gestos
negados de carinho.
Nos músculos contraídos, doloridos,encolhidos.
Uma tensão aprisiona os quereres.
O caminhar pesado torna maior
as distâncias espaciais e afetivas.
Já não saboreia o pão - engole-o .
O vinho desce acre.
Os pés se atropelam.
O chão cresce.
Vem ao seu encontro.
Um aconchego .
A chuva cai
Levando seus pesadelos.
Uma enxurrada acolhe
seus fantasmas.
Apenas inspira e expira.
Uma lágrima escorre
confundindo-se com as gotas
da chuva.Seu corpo,já não tão rijo, entrega-se ao sono.

2009/02/06

Ciúme

Félix tinha um ciúme doentio de Carolina, com quem se casou depois de cinco anos de namoro e muitas brigas. Ela, por sua vez, sentia-se injustiçada, pois não merecera, nem um pouco, as difamações proferidas por ele. Nem mesmo quando foi pega em conversas no bar do Arnaldo com Ubaldo, um antigo ex-namorado que não se conformava por tê-la perdido.

Ubaldo escrevia-lhe cartas que nunca foram respondidas e nem lidas, até que resolveu procurar por ela pessoalmente. Descobriu aonde ela trabalhava. Ligou para ela, que decidiu colocar um ponto final naquela história.

Carolina nunca havia estado no bar do Arnaldo que ficava num bairro vizinho ao seu trabalho e nem sabia que Felix era ferquentador assíduo do bar. Aceitou marcar naquele bar porque seus colegas falavam muito dele e sempre teve curiosidade em conhecê-lo.

Felix mal chegou os viu sentados, frente a frente, numa conversa animada, porem não muito descontraída. Apesar do ar formal que eles aparentavam não se conteve. Morrendo de ciúmes sentou-se bem distante e ficou observando-os. Pediu uma dose dupla de conhaque. Tomou quase de uma golada só, enquanto fumava cinco cigarros, acendendo um no outro. Pediu outra dose.

Sentia-se ridículo diante daquele quadro. Não queria ser um impostor. Mas a dor que sentia era muito forte. Ficou pensando numa atitude a tomar. De tão absorvido, nem percebeu quando Carolina levantou-se e foi embora. Achou que ela havia ido ao banheiro, pois seu companheiro de mesa ainda bebericava e aparentava que permaneceria lá por muito tempo.

Após algum tempo, Ubaldo percebeu que Felix o olhava com insistência. A partir daí foi inevitável que se entreolhassem por um longo tempo. Felix tomou a iniciativa e foi até a mesa de Ubaldo.

- Posso? Fazendo menção de sentar-se.

- Faça o favor! Respondeu por cortesia.

- Felix é o meu nome. Disse enquanto se sentava no lugar que antes era de Carolina.

- Ah! O marido de Carolina. Imagino!

Felix ficou surpreso com a resposta certeira e olhava dentro dos olhos de Ubaldo. Parecia querer buscar informações que não o surpreendesse mais e perguntou:

- E você...?

- Ubaldo. Ex-namorado de Carolina. Ela acabou de sair. Namorei-a no tempo de colegial até quando ela já estava na faculdade. Éramos namorados, amigos e companheiros. De tanto andarmos juntos, um quase adivinhava o que o outro pensava ou sentia. Éramos unha e carne. Grudadinhos. Eu sempre fui muito ciumento. Era a única coisa que destoava no casal. Eu não me dava conta da maravilha de pessoa que ela era.

Felix ouvia-o com atenção e silêncio. Revirava a memória. Já ouvira falar dele, mas não encontrava nenhuma conexão com nenhum ciumento entre os ex-namorados de Carolina. Ubaldo continuou:

- Carolina estava prestes a se formar e tinha que apresentar um projeto que seria feito na casa de Jurandir, juntamente com mais dois colegas. Ela estava tão entusiasmada que repetia o nome de Jurandir constantemente. Isso me deixava enlouquecido. Um dia fui buscá-la para sair e ela disse que não poderia, pois iria à casa de Jurandir. Eu abri a mão direita e a estalei com os cinco dedos abertos em seu rosto. Ela caiu sentada na cadeira. Eu já ia dar um outro tapa aproveitando a volta da mão quando percebi em seus olhos um brilho diferente. Não eram lágrimas de dor física. Era uma dor que eu não conhecia. Eu encolhi a mão envergonhado. Naquele instante perdia-a para sempre. Ela não disse uma palavra, apenas abaixou a cabeça e esperou que eu desaparecesse da sua vista. Só depois é que fiquei sabendo que Jurandir era uma mulher e não um homem. Desde então eu nunca mais a vi. Somente hoje. Uma linda mulher!

Felix olha Ubaldo com pena e admiração. O que era infamiliar se tornava familiar. Afinal há pouco tempo atrás não se conheciam e ele já abria o seu coração. Ubaldo continuou:

- Durante muitos anos eu procurei desesperadamente por ela. Eu queria, pelo menos, pedir-lhe perdão. Não sabia mais o que fazer para encontrá-la. Cheguei a pensar que ela havia morrido, ou mudado de cidade, de estado ou de país. Finalmente encontrei, por acaso, com Carlos que era um dos colegas do projeto. Ele também não a via mais, desde o final da faculdade, mas soube por outros colegas aonde ela trabalhava. Inclusive me falou que ela estava casada. Construí muitas fantasias. Numa delas eu jurava que mataria o seu marido no dia que o encontrasse.

Felix o olhava-o agora com espanto. Não sentiu medo. Enfim há pouco tempo ele também nutria por Ubaldo a mesma fantasia. A sua franqueza o comoveu. Aqueles dois homens que não se conheciam estavam ali, frente a frente, unidos pelas mesmas paixões, sentimentos e fantasias.

Ubaldo falou sobre as cartas que escrevera e que nunca foram respondidas. Falou das ligações telefônicas que também não foram atendidas, até que Carolina topou aquele encontro para por um ponto final naquela história e para dizer que já o havia perdoado. Aproveitou para dizer, a Felix, o quanto Carolina o amava e o medo que ela tinha de perdê-lo por causa dos seus ciúmes.

Felix percebeu que colocava em risco uma relação que lhe era muito cara e ficou de cabeça baixa, pensativo e envergonhado, bebericando o conhaque. Mais uma vez não percebeu. Agora foi Ubaldo quem se levantou e foi embora.

Felix não sabia. Mas aquela mesa fora testemunha de um triangulo amoroso. Por alguns instantes todos os vértices dele estiveram ali, dois a dois, desfilando os seus amores e as suas paixões.

2009/01/08

O livro

Aquela criatura singela,
Que ali na estante mora,
Enlaça nossas vistas nela,
Para ser pega a qualquer hora.

É feito de tinta e papel.
Muitas vezes leva costura,
Com texto e textura a granel.
E é visto com muita mesura.

Poesia, literatura ou arte.
Ciência e conceituação.
Tem um autor em cada parte,
Que descreve a sua intenção.

Para consulta ou conhecimento,
Sentir o seu cheiro com imaginação.
Pegá-lo é preciso, por merecimento.
Lágrimas de choro molham a paginação.

Na estante. A vitrina da alma.
Fica esquecido há muito, silente.
O prazer de ler com calma,
Acorda-o e o faz presente.

Cada livro que tem uma história.
Ganha carícias de mãos e de olhos.
Bom ou ruim é uma memória.
Guarda em si, seus repertórios.

Nada substitui este prazer, enlevamento.
Nem a internet, com avidez e velocidade,
Faz do e-book tão bom instrumento,
Que roube do livro a sua felicidade.

2009/01/07

Devaneios


Por Selma Monteiro Pereira

A gente sente o cheiro.
Acaricia sua aspereza.
Dorme com ele entre as mãos.
Às vezes, esquecido
no tempo, de repente,
desperta uma lembrança.
E, lá, estamos juntos
vivendo suas histórias.
Tão iguais as nossas,
simples ou complexas,
Marias ou Capitus.
A emoção, às vezes,
molha nossas histórias.
Nada substitui este
Envolvimento,
quase viceral.
Presente, passado e
futuro convivem,
num momento único:
a comunhão de
sonhos, devaneios
e realidades tão,
insuportavelmente,
únicas e universais.

2009/01/06

Casamento remédio

Casamento devia
ter data de validade.
Trazer bula escrita
em letra grande de verdade.

Vir numa caixa grande
com cartelas individualizadas.
De amor, felicidade, participação.
Medo, horror preocupação.

Em tarja vermelha, azul ou preta,
só devia ser adquirido com receita.
Ser guardado longe das crianças
e de animais de estimação.

Não é remédio pra deixar ninguém feliz!
Mas devia vir com uma recomendação:
Persistindo os sintomas,
procure um padre ou um juiz!

2009/01/05

No primeiro dia do ano:
Garçom. Tem leite de gazela?
Tem leite de ursa?
E leite de aliá, tem?

Não, só de vaca.

Então trás um a cerveja mesmo.
Eu vou beber só esse restinho de ano!
Depois, só no ano que vem!

2009/01/04

Para minha mãe

Por Paulo Cordeiro


Ser poeta

É um triste ser

Ser poeta

É escrever

A vida

Pros outros

Ler.

2009/01/03

Eu/você - uma quimera




quisera eu/mulher acordasse.
fosse você e no corpo sentisse,
o que sentia quando amor fazia.
a dor que perdurava, horas e dia.

quisera você/homem acordasse.
sentisse o que senti e a dor ficasse.
trocássemos de lugar então.
você amaria o sexo e eu a paixão.

se eu/você acordasse.
se um do outro tivesse ciência.
e o dolorido corpo vibrasse.

de repente viria o pranto.
e imploraria clemência.
por ter amado tanto.

2009/01/01

Declaração de amor

Mais de trinta anos de convivência,
Chopes, cervejas e experiência,
Maravilhosos filhos como convém,
Muitas dívidas e dúvidas também.

Viagens algumas e passeios poucos vivemos.
Sinceridade e lealdade sempre queremos.
Mas se nossa vida sempre foi comum,
Com algumas concessões fui tolerante, como nenhum.

Sou humano, mesmo sem em Deus acreditar.
Correto dentro das minhas possibilidades.
Amigo, cúmplice e companheiro exemplar.

Envelheci com sabedoria e paciência,
Com as dores do corpo e os aís da alma.
Declaro, pois, todo o meu amor com consciência.

2008/12/30

Feliz Ano Novo!

Eu mudo de ano. O ano muda de mim.
Hoje eu mudo esse ano.
Depois ele, no meu aniversário.
E já faz isso há muito tempo!


Nem sempre estive presente. É verdade!
Mas vi acontecer sessenta e cinco vezes.
Alguém nasce. Alguém morre.
Trezentos e sessenta e cinco dias, doze meses.


Os anos da infância foram marcantes.
Lembram boas passagens.
Da Suzana, com quem tomava banho na banheira.
Ah! Traquinagens infantis!


Na juventude, os anos dourados!
Bailes, praias, passeios, namoradas.
Para o adulto, formação profissional, trabalho.
Família e filhos.


Alguns anos ganhei.
Outros perdi.
Anos para guardar, para esquecer
Para viver. Envelhecer.


Por isso aprendi.
De tudo o que mais me comove.
É poder desejar a você.
Um feliz dois mil e nove!

2008/12/28

Com os dedos

No inicio não foi muito fácil.
Eu não sabia como se fazia.
Comecei numa ponta e fui até a outra.
Crescia e diminuía o tempo todo.

Fui aprendendo...

Entrava e saia... da linha.

Se mais forte fazia, maior ficava,
doía e gemia.

Todo dia repetia, repetia e repetia.
Ora sozinho,
ora acompanhado,
com o tempo ficava cada vez melhor.

Até hoje uso os dedos,
mas não faço mais garranchos.

Apenas escrevo...

No computador.

2008/12/25

Riso


Rogério Silva

rio da minha tristeza,
da minha covardia,
da esperança minha, rio.

rio da minha pobreza,
da minha natureza,
da vaidade minha, rio.

rio da minha felicidade,
do meu corpo,
da amizade minha, rio.

rio da minha desgraça,
da minha vitória,
da tolerância minha, rio.

rio da minha nobreza,
da minha sabedoria,
do envelhecimento meu, rio.

rio da minha paixão,
do meu amor,
da tolice minha, rio.

rio da minha coragem,
da minha derrota,
da descrença minha, rio.

só não rio da minha vida.
porque essa já ri de mim!

2008/12/24

O segredo

Por Rogério Silva

segredo todo mundo tem
e quem tem não conta a ninguém.
se contar pra alguém.
ele não vale vintém.

desde criança
se faz aliança
e com ela a esperança
a amizade alcança.

na juventude é o esmero.
fantasias, espero.
inquietação. amor.
luxuria e fulgor.

maturidade é a do adulto
que trás como um indulto.
transmite a quem tem ouvido
en passent, quase fugido.

na velhice a sabedoria,
das historias infindáveis,
o que se soube desde um dia
e se guardou a sete chaves.

mas quem tem língua de trapo
e fala da vida alheia,
faz do segredo um fiapo
e a todo mundo chateia.

sempre há algo inconfessável,
há um sonho inalcançável,
há um arrependimento irreversível,
um amor inesquecível.

portanto meu caro amigo,
aquilo que trago comigo,
guardo no fundo do peito,
mesmo que seja isso um defeito.

pois vou lhe contar um segredo.
guarde-o como convém.
quem escreveu esse poema,
não foi nenhum poeta, foi alguém!

2008/12/21

Medo de escuro

Por Rogério Silva


você chegou.
entrou e se aninhou.
se deitou, fez carinho, fez amor.
saiu. deixou a porta aberta.
sem se quer disser adeus!

durante muito tempo
fui lá fora lhe procurar.
não a encontrei
e continuei a procurar.

enfim achei.
entrou e se aninhou.
se deitou, fez carinho, fez amor.
ficou. deixou a porta aberta.
desta vez quer ficar!

diz que me ama, que me quer.
também a amo, mas digo que não quero.
o que há em mim?
que faz o amor tão escorregadio?

a noite, no sonho.
entrou e se aninhou.
se deitou, fez carinho, fez amor.
e.... a porta aberta.
outra vez!? outra vez!

ah! se eu pudesse dizer, gritar...
eu a amo!
mas me calo e sofro.

tenho tanto medo de escuro!...

2008/12/16

Se fosse macaco dava música, mas preguiça...

Rogério Silva

Na minha mocidade era muito comum passear na pracinha da igreja matriz. Dizia-se rodar a praça. Ritual que se repetia todos os dias das férias. Como não havia horário especial de verão, dezenove horas já estava ficando escuro. Aos pares ou individualmente, os rapazes e as moças solteiros surgiam para fazer o seu trotoi. Uns giravam no sentido horário, enquanto outros giravam no sentido inverso. Pipoqueiros e vendedores de guloseimas compunham o cenário. Muitos casamentos tiveram origem nesse ritual. Era comum um componente do casal adotar o nome do parceiro. Ficava assim: Geraldo da Glorinha, ou Mariazinha do Juvenal. Esse uso de tão comum, fazia com que se acrescentasse um nome ao outro como Miguel da Nadir do Clodoaldo, mesmo quando a Nadir já não estivesse mais com Clodoaldo.

Eu mesmo tive várias namoradas que eram apresentadas assim. A Lurdinha foi o caso mais extravagante que eu conheci. De tão namoradeira ficou conhecida como Lurdinha do Jorginho, do Canela, do Sandoval. E o interessante é que, por muito tempo ela ficou conhecida assim na cidade. Mesmo depois de se casar com Frbrisio, um estudante de direito que se encantou por ela numas férias passadas na cidade, ela não perdeu o nome dos últimos namorados. O meu nome já estava tão longe que já não era mais mencionado. Hoje ela é só Lurdinha do Fabrisio.

Nas manhãs ensolaradas, a pracinha era o ponto de encontro das mamães com as suas criancinhas. Os homens de negócios reuniam-se à tarde e os casais ao entardecer e à noite. Mas é também o lugar onde moram alguns animais. O bicho preguiça era sempre visto no alto de alguma árvore onde ficava no mesmo lugar quase o dia inteiro. O jacu surgia ao entardecer e o tucano pela manhã, bem cedinho. Além de sabiás, saíras, tico-tico, e outros pássaros. Ninguém incomodava os bichos e eles também não perturbavam os passantes, a não serem os pombos que, lá do alto, largavam os seus petardos na cabeça ou blusa de algum incauto.

Cesar era meu companheiro de traquinagem pela praça, mas havia uma coisa que eu gostava de fazer sozinho. Ficar na espreita observando um certo casal que aproveitava o cair da tarde para fazer bolinagem num banco que eles descobriram. Ficava um pouco mais escondido dos passantes habituais. Eu já vinha observando-os e fugia dos companheiros nessa hora. Ficava bem escondidinho numa moita e em profundo silêncio para ver os afagos acalorados do casal. Muitas vezes eu os vi transando enquanto eu me masturbava atrás da moita. La no alto ficava o preguiça bronhando na árvore. Não sei se excitado com as investidas do jovem casal. Mas o fato é que muitas vezes eu o vi naquele lugar, justo naquela hora em que eu estava no auge da minha função de voyeur.

Numa dessas noitinhas de verão, o casal estava lá em franca senvergonhagem e eu estrategicamente posicionado com o membro em riste e com as calças arriadas. Sem perceber, o bicho preguiça aproximou e agarrou-me pelas pernas, como se quisesse subir e eu fosse árvore. Ele agarrou-me com força quase enfiando as suas unhas afiadas em minha carne. Um de seus dedos pegou o meu pênis junto com meus dedos. A dor que eu sentia era tão forte que eu não me importaria em denunciar a minha presença exercendo o ménage a troi clandestino sem consentimento do casal. O seu corpo era tão quente que parecia estar com febre e exalava um cheiro fétido. Não sei por quanto tempo eu fiquei hirto fazendo caretas até que ele resolveu ir embora como veio. Só então foi que eu reparei a presença do casal a minha frente. Olhavam-me com um misto de pena, piléria e raiva por terem sido pegos em flagrante na sua intimidade. Nada fizeram, apenas afastaram-se dali.

Eu nunca mais fui lá. Soube, mais tarde, que César e outros dois amigos passaram a frequentar aquele local. Já eram outros casais que faziam as mesmas coisas. Do preguiça, nunca mais se ouviu falar.

Passados alguns anos, já na condição de professor universitário eu vim para o Rio de Janeiro, desenvolver a minha vida pessoal e profissional. Certo dia eu revi aquele casal. Casados desde aquela época. Como eu soube depois, tinham um filho que já era um compositor famoso de música popular brasileira. Nesse dia eu proferia uma palestra num congresso de economia e os vi na platéia. Confesso que fiquei incomodado com a presença deles, mas eles não demonstram nenhuma lembrança daquele acontecimento. Talvez até nem se lembrassem de mim, o que me deixou um pouco mais a vontade. Ao final da palestra não os vi entre aqueles que ficam mais tempo para dizer alguma coisa ou cumprimentar o palestrante. Tanto melhor, pois eu sentiria mais vergonha agora do que naquele dia em que eu ainda era jovem e um pouco impetuoso.

Cheguei até a fantasiar que se seu filho conhecesse aquela historia, quem sabe, poderia compor uma canção. Depois pensei: se fosse macaco daria música, mas preguiça!

2008/12/07

Sentença de servidão

Por Rogério Silva

Trata-se de resposta ao despacho anterior, o presente expediente que redijo com minha máquina de escrever pessoal. Minha santa e providencial Olivetti Lettera 82, portátil. Talvez até ela se orgulhe de colaborar gratuitamente com o serviço público brasileiro.

O que ela talvez não saiba, na sua limitada consciência de objeto sem anima, é que talvez esteja aqui lavrando sua sentença de servidão. Aqui provavelmente ela se efetiva no serviço público voluntário gratuito, para não dizer escravo. Este expediente trata, dentre outras reduções, de reduzir de duas para uma unidade a compra prevista no capitulo "máquina de escrever". E uma máquina só não vai dar conta de tanto serviço. Sobretudo se for mesmo uma máquina burocrática, que pegue as nove e largue as cinco, ao contrário da minha que é pau pra toda a hora. Não será usada só por mim, mas também por alguém que segue esse horário. De qualquer modo, trato de dizer à minha Lettera que já seria grande coisa se um dia aparecer mesmo esta escoteira companheira. Elas duas terão de dividir o trabalho. Pois estou há muitas noites e dias fazendo tudo o que posso para ter aqui uma máquina de escrever funcionária pública. Registrada, carimbada e fiscalizada. Estou pedindo verbalmente, oficiando, requerendo, cumprindo determinações e nada.

Ela não deixou de notar que não é só máquina de escrever que falta aqui. Desde que chegou tem padecido de uma solidão de ermitã. Olha para os lados, coitada, e não vê qualquer companheiro com anima ou sem anima, alem de mim. E nem sequer tem a companhia desse ser hibrido, o telefone, que apesar de ser portador de vozes humanas é cheio de vontades e só fala quando quer e bem entende. Ela sabe apenas que, usado pelos funcionários que cuidam da obra deste edifício, existe um. Mas daqui pra lá são quase cem metros. Por mais alto que ele grite não poderá superar as muitas paredes do prédio e a ruidosa presença dos ônibus que passam pela rua para dar um pouco de calor inumano à pobre Olivetti.

Será que Deus, além de brasileiro, funcionário público possui também o único cargo mais elevado da repartição? Porque eu preciso me pegar com alguém para a salvação do Teatro Machado de Assis. Porque tudo que estava pedido e parcimoniosamente previsto no expediente inaugural deste processo eram e continuam indispensáveis para o teatro funcionar. Qualquer redução feita, o que se estará propondo é a abertura de um hospital sem leitos, sem enfermeiros, ou de uma escola sem carteiras e professores

Me pedem que atenda a um despacho que chega a mim rodeado de mistério. Não falo de qualquer dificuldade de entender o sentido profundo de um texto cifrado. Falo de um puro e simples “conforme entendimentos”. Entendimentos dos quais fui privado.

Cheio da boa vontade de ver até onde é possível ir para a salvação das almas públicas, ou das almas privadas temporariamente públicas, peguei o documento original e abreviei, sobretudo, o prazo dos serviços, que são indispensáveis contratarem. E esta é a principal redução que consegui fazer no total do valor a ser gasto. Valor, por sinal, fixado não por mim, mas por quem agora me pede que reduza.

Quero dar um exemplo do que significa esta redução de prazos. O Teatro tem cinco sistemas de elevadores: o elevador do fosso da orquestra, o monta-carga que leva do palco ao porão, o elevador da cortina corta-fogo, o sistema de suspensão das varas do urdimento e o elevador que leva do palco aos camarins. Todos estes sistemas dependem de manutenção especializada e a própria entrega dos serviços de instalação está condicionada à contratação desta manutenção. Ao reduzir de seis ou mais meses para três, no máximo quatro meses, o prazo dos contratos de manutenção, é preciso estar consciente de que é necessário imediatamente prorrogar estes contratos, sob pena de abrir o teatro para fechar em seguida.

Posso dar uma pequena idéia do que significa este atraso. Até a pouco trabalhei em lugares diferentes do teatro: o foyer, algum corredor, um camarim inacabado, no meio da sujeira própria da obra, poeira, pedaços de fios, madeiras, chão forrado de plástico, etc. Mas há três semanas está quase pronta a sala de administração e pude me transferir para lá. Como não tem aqui nenhum funcionário de limpeza, nenhuma vassoura, e apesar de eu me encarregar de esvaziar cinzeiros, jogar fora garrafas pet, evitar papéis, etc.

Talvez existam outras providências que já deveriam ter sido tomadas. Será inteiramente impossível que o teatro funcione sem um sistema de intercomunicação: a cabine de luz, onde fica o operador, está acima da galeria e a ordem mais simples, para começar o espetáculo, por exemplo, não tem como ser transmitida do palco, ou da bilheteria, ou da portaria, ou da administração. O mesmo operador não tem como se comunicar com seu auxiliar, na sala de dimmers, situada no teto acima da platéia. O contra-regra terá que percorrer cinco andares de camarins para convocar os atores num espetáculo de elenco numeroso. A montagem de luz será uma operação de gritos entre o operador, seguidores, iluminador, diretor, todos em lugares diferentes e distantes. Como a com para e instalação de intercomunicadores estão previstas neste expediente não sei que milagre fará com que isso aconteça antes de inaugurar o teatro, se a obra terminar nos próximos trinta, quarenta dias.

Cumprindo o solicitado, encaminho o expediente com as reduções possíveis, na maioria reduções de tempo de contratação de serviços. Além delas, outras pequenas economias, reduzindo a compra de máquinas de escrever de duas para uma, convoca definitivamente esta paciente Olivetti Lettera, em que agora acabo de escrever este despacho, para o trabalho escravo. O que, no Brasil, e apesar da princesa não é novidade.

Diretor do Teatro Machado de Assis

2008/11/09

uma incógnita, uma paixão

Por Camila Maldonado

é verdade! você ainda me amava! eu sei!
para mim, você era alguém encantador!
carinhoso e apaixonado!
nunca antes, nem depois, encontrei igual!
entregou-se totalmente e atirou-se.
imaginou ter asas para voar.
caiu e machucou-se.
mas quem cortou suas asas?

só não percebeu que elas nunca haviam existido.
sofreu muito com isso.
não aceitou a inconstância dos sentimentos.
rebelou-se contra eles,
talvez por ter-se iludido,
talvez por um inexplicável sentimento de repulsão,
ou de abandono, sem carinho.
não sei. uma incógnita!


pensei conhecê-lo. mas qual das suas variantes?
perco-me em explicações que nada me explicam.
tento justificar a sua inércia.
a sua frieza. o seu desinteresse.
ou seria falta de coragem?
desconfio de tudo. de todos. fico tão confusa!
não acredito em mais nada.
dou-me conta que só arranjo justificativas vãs.

não acredito que você seja assim!
por baixo dessa máscara de meu garoto,
existe um menino,
uma criança carente, sem chão, com medo.
quer agarrar-se a qualquer coisa,
em alguém que seja forte.
mas eu nem sou tão forte assim!
sou apenas uma mulher só e apaixonada!


na minha fragilidade sinto você mais forte.
eu sinto mesmo que você me ama.
mas nem mesmo isso você me diz!
você não me dá nenhum sinal!
se pelo menos me pedisse alguma coisa,
se me quisesse de verdade,
se chutasse o balde por mim
e desse uma esperança!... umazinha!... sei lá!...


por que ainda me preocupo com isso?
por que ainda procuro explicações?
não sei! não sei o quanto você se importa,
mas sei o quanto eu me importo.
talvez você me julgue egoísta e presunçosa.
deve estar sofrendo por isso.
e também porque eu não o procuro mais.
mas eu não posso ficar esperando-o.


ainda sou jovem apesar de impetuosa.
gosto de ser mulher e dos prazeres da vida.
procuro um amor de verdade.
um verdadeiro amor só pra mim.
o espelho já me avisou!
falta pouco para mim também.
tenho urgência!
afinal, eu descobri que não sou imortal!

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2008/10/20

Manual de utilização do penis

Por Rogério Silva

O pênis é um instrumento masculino que tem como função urinar e ejacular esperma. O instrumento feminino, chamado de vagina também tem a função de eliminar a urina. Mas a sua outra função é receber o esperma conduzido pelo pênis.

Todo instrumento já vem da fábrica com seu respectivo manual, contendo às discriminações do produto, modo de manuseio e utilização além do certificado de garantia. Mas, por incrível que pareça, o pênis não vem acompanhado de nenhum manual de utilização. A vagina também não. E existem várias razões para isso. A mais provável é que nos primeiros anos da vida do usuário, é a própria fábrica quem cuida deles. Tanto na manutenção da limpeza quanto na utilização. Nessa época os usuários só utilizam esses órgãos para urinar.

Por questões óbvias, vou me ocupar aqui apenas do instrumento masculino. No inicio da puberdade o usuário começa a descobrir as transformações do instrumento e as novas utilizações para aquele que teve o primeiro apelido de pinto. É nessa ocasião que o usuário vai descobrir que para utilizá-lo plenamente ele precisa de outro instrumento. Precisa da vagina. Como ele ainda não foi apresentado formalmente a ela, ele cria um modo próprio de utilização conhecido como punheta. A punheta leva esse nome porque utiliza o punho com seus cinco dedos. Esse método também é conhecido como cinco a um e sofisticadamente como masturbação.

Para essa prática é comum o usuário utilizar revistas masculinas ou outros meios gráficos como forma de excitação. Modernamente a internet tem sido o meio mais procurado. O usuário sente um misto de prazer e horror pelo tamanho que o pênis assume devido à excitação. Um manual nessa hora ajudaria muito, iria ensiná-lo, por exemplo, que o intumescimento se dá pela ingestão de sangue no interior do pênis, nos chamados corpos cavernosos. Como não existe o manual, ele busca informações com os mais velhos que supostamente já passaram por esses momentos.

Histórias, as mais estranhas, são ouvidas sobre o uso da punheta. Tem uma que diz que cresce um fio único de cabelo na palma da mão do usuário e quanto mais ele corta, mais o cabelo cresce. Outra história interessante, é que o uso feito com uma das mãos faria crescer mais o peito daquele lado. Portanto, quem tem um peito maior que o outro, com certeza, utiliza esse método.

Muitos usuários mantém os hábitos da puberdade até idades bastante avançadas. Esses hábitos não são prejudiciais à saúde embora se recomende moderação. Depois de passada essa fase o usuário já está plenamente familiarizado com o instrumento que utilizará em sua totalidade e quase que diariamente. Constituirá família, produzirá filhos, participará de bacanais, terá amantes, fará sodomizações e outras práticas mundanas.

Com o passar do tempo esse instrumento apresentará uma certa decadência e começará a falhar. É quando se ouvirá pela primeira vez a frase: “isso nunca me aconteceu antes!”. É provável que essa frase se repetida mesmo se o usuário mudar de parceira ou parceiro.

Ao longo da vida, o usuário sempre procurou conhecer melhor o seu instrumento. Por falta do manual fornecido pela fábrica ele procurou no especialista o conhecimento que este possui. O especialista pode orientar de forma individual ou coletiva com advertência para as doenças sexualmente transmissíveis (DTS). Uma das mais grave de todas é a AIDS. Nesses casos recomenda-se o uso de uma camisinha. Conhecida como camisa de Vênus, protege tanto o pênis quanto a vagina.

Há casos em que o pênis perde o seu destino sexual devido à falta de prazer do usuário ou devido a alguma anormalidade que o acomete. O envelhecimento também ajuda nesse processo. Além dele a utilização de drogas também. Assim como hábitos desregrados.

O mais incrível é quando o usuário atinge uma idade na qual a funcionalidade fica duvidosa. Não é uma perda total, mas o usuário tem que se haver com as mais estranhas situações. Por exemplo, quando a função urinária fica tão alterada, que o usuário sente vontade de urinar, mas não dá tempo de chegar ao lugar próprio e ele se urina todo. Em outros casos sente vontade de urinar, mas só faz um pouquinho e tem que voltar várias vezes ao banheiro. Após os cinqüenta anos de idade, recomenda-se uma consulta anual ao especialista. Essa consulta é sempre muito delicada para o usuário, pois o especialista precisa introduzir um dedo no instrumento anal do usuário. O que produz um certo desconforto, tanto do ponto de vista corporal quanto social e moral.

Nessa fase da vida, o usuário já utilizou o pênis nos seus modos mais prováveis e a sua mente sempre colaborou. Isso fez com que ele tivesse criado hipoteticamente um manual próprio. Pois toda a vez que via uma usuária do sexo feminino o seu pênis se mostrava pronto para o uso. Por volta do sessenta anos ele continua sendo estimulado mentalmente, mas o instrumento precisa de um aditivo para se mostrar pronto para o uso. Com uma dessas pílulas que existem no mercado, às vezes funciona.

Observação importante: o celibato e a abstinência não são garantias de longa duração para o dito cujo. Por isso, não convém dar ouvidos às recomendações religiosas.

Quando estiver reunido com seus amigos num bar, por exemplo, e passar uma gatinha rebolativa, uma luz acenderá na cabeça do usuário. Certamente ele ficará assanhado, mas o instrumento nem se manifestará. Só então, ele se dará conta de que nunca teve o manual, mas sempre soube usar. Agora, porém, alguém lhe dirá: “não adianta que você tem o instrumento, mas não sabe mais como se usa.”