2009/02/06

Ciúme

Félix tinha um ciúme doentio de Carolina, com quem se casou depois de cinco anos de namoro e muitas brigas. Ela, por sua vez, sentia-se injustiçada, pois não merecera, nem um pouco, as difamações proferidas por ele. Nem mesmo quando foi pega em conversas no bar do Arnaldo com Ubaldo, um antigo ex-namorado que não se conformava por tê-la perdido.

Ubaldo escrevia-lhe cartas que nunca foram respondidas e nem lidas, até que resolveu procurar por ela pessoalmente. Descobriu aonde ela trabalhava. Ligou para ela, que decidiu colocar um ponto final naquela história.

Carolina nunca havia estado no bar do Arnaldo que ficava num bairro vizinho ao seu trabalho e nem sabia que Felix era ferquentador assíduo do bar. Aceitou marcar naquele bar porque seus colegas falavam muito dele e sempre teve curiosidade em conhecê-lo.

Felix mal chegou os viu sentados, frente a frente, numa conversa animada, porem não muito descontraída. Apesar do ar formal que eles aparentavam não se conteve. Morrendo de ciúmes sentou-se bem distante e ficou observando-os. Pediu uma dose dupla de conhaque. Tomou quase de uma golada só, enquanto fumava cinco cigarros, acendendo um no outro. Pediu outra dose.

Sentia-se ridículo diante daquele quadro. Não queria ser um impostor. Mas a dor que sentia era muito forte. Ficou pensando numa atitude a tomar. De tão absorvido, nem percebeu quando Carolina levantou-se e foi embora. Achou que ela havia ido ao banheiro, pois seu companheiro de mesa ainda bebericava e aparentava que permaneceria lá por muito tempo.

Após algum tempo, Ubaldo percebeu que Felix o olhava com insistência. A partir daí foi inevitável que se entreolhassem por um longo tempo. Felix tomou a iniciativa e foi até a mesa de Ubaldo.

- Posso? Fazendo menção de sentar-se.

- Faça o favor! Respondeu por cortesia.

- Felix é o meu nome. Disse enquanto se sentava no lugar que antes era de Carolina.

- Ah! O marido de Carolina. Imagino!

Felix ficou surpreso com a resposta certeira e olhava dentro dos olhos de Ubaldo. Parecia querer buscar informações que não o surpreendesse mais e perguntou:

- E você...?

- Ubaldo. Ex-namorado de Carolina. Ela acabou de sair. Namorei-a no tempo de colegial até quando ela já estava na faculdade. Éramos namorados, amigos e companheiros. De tanto andarmos juntos, um quase adivinhava o que o outro pensava ou sentia. Éramos unha e carne. Grudadinhos. Eu sempre fui muito ciumento. Era a única coisa que destoava no casal. Eu não me dava conta da maravilha de pessoa que ela era.

Felix ouvia-o com atenção e silêncio. Revirava a memória. Já ouvira falar dele, mas não encontrava nenhuma conexão com nenhum ciumento entre os ex-namorados de Carolina. Ubaldo continuou:

- Carolina estava prestes a se formar e tinha que apresentar um projeto que seria feito na casa de Jurandir, juntamente com mais dois colegas. Ela estava tão entusiasmada que repetia o nome de Jurandir constantemente. Isso me deixava enlouquecido. Um dia fui buscá-la para sair e ela disse que não poderia, pois iria à casa de Jurandir. Eu abri a mão direita e a estalei com os cinco dedos abertos em seu rosto. Ela caiu sentada na cadeira. Eu já ia dar um outro tapa aproveitando a volta da mão quando percebi em seus olhos um brilho diferente. Não eram lágrimas de dor física. Era uma dor que eu não conhecia. Eu encolhi a mão envergonhado. Naquele instante perdia-a para sempre. Ela não disse uma palavra, apenas abaixou a cabeça e esperou que eu desaparecesse da sua vista. Só depois é que fiquei sabendo que Jurandir era uma mulher e não um homem. Desde então eu nunca mais a vi. Somente hoje. Uma linda mulher!

Felix olha Ubaldo com pena e admiração. O que era infamiliar se tornava familiar. Afinal há pouco tempo atrás não se conheciam e ele já abria o seu coração. Ubaldo continuou:

- Durante muitos anos eu procurei desesperadamente por ela. Eu queria, pelo menos, pedir-lhe perdão. Não sabia mais o que fazer para encontrá-la. Cheguei a pensar que ela havia morrido, ou mudado de cidade, de estado ou de país. Finalmente encontrei, por acaso, com Carlos que era um dos colegas do projeto. Ele também não a via mais, desde o final da faculdade, mas soube por outros colegas aonde ela trabalhava. Inclusive me falou que ela estava casada. Construí muitas fantasias. Numa delas eu jurava que mataria o seu marido no dia que o encontrasse.

Felix o olhava-o agora com espanto. Não sentiu medo. Enfim há pouco tempo ele também nutria por Ubaldo a mesma fantasia. A sua franqueza o comoveu. Aqueles dois homens que não se conheciam estavam ali, frente a frente, unidos pelas mesmas paixões, sentimentos e fantasias.

Ubaldo falou sobre as cartas que escrevera e que nunca foram respondidas. Falou das ligações telefônicas que também não foram atendidas, até que Carolina topou aquele encontro para por um ponto final naquela história e para dizer que já o havia perdoado. Aproveitou para dizer, a Felix, o quanto Carolina o amava e o medo que ela tinha de perdê-lo por causa dos seus ciúmes.

Felix percebeu que colocava em risco uma relação que lhe era muito cara e ficou de cabeça baixa, pensativo e envergonhado, bebericando o conhaque. Mais uma vez não percebeu. Agora foi Ubaldo quem se levantou e foi embora.

Felix não sabia. Mas aquela mesa fora testemunha de um triangulo amoroso. Por alguns instantes todos os vértices dele estiveram ali, dois a dois, desfilando os seus amores e as suas paixões.

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