2008/12/16

Se fosse macaco dava música, mas preguiça...

Rogério Silva

Na minha mocidade era muito comum passear na pracinha da igreja matriz. Dizia-se rodar a praça. Ritual que se repetia todos os dias das férias. Como não havia horário especial de verão, dezenove horas já estava ficando escuro. Aos pares ou individualmente, os rapazes e as moças solteiros surgiam para fazer o seu trotoi. Uns giravam no sentido horário, enquanto outros giravam no sentido inverso. Pipoqueiros e vendedores de guloseimas compunham o cenário. Muitos casamentos tiveram origem nesse ritual. Era comum um componente do casal adotar o nome do parceiro. Ficava assim: Geraldo da Glorinha, ou Mariazinha do Juvenal. Esse uso de tão comum, fazia com que se acrescentasse um nome ao outro como Miguel da Nadir do Clodoaldo, mesmo quando a Nadir já não estivesse mais com Clodoaldo.

Eu mesmo tive várias namoradas que eram apresentadas assim. A Lurdinha foi o caso mais extravagante que eu conheci. De tão namoradeira ficou conhecida como Lurdinha do Jorginho, do Canela, do Sandoval. E o interessante é que, por muito tempo ela ficou conhecida assim na cidade. Mesmo depois de se casar com Frbrisio, um estudante de direito que se encantou por ela numas férias passadas na cidade, ela não perdeu o nome dos últimos namorados. O meu nome já estava tão longe que já não era mais mencionado. Hoje ela é só Lurdinha do Fabrisio.

Nas manhãs ensolaradas, a pracinha era o ponto de encontro das mamães com as suas criancinhas. Os homens de negócios reuniam-se à tarde e os casais ao entardecer e à noite. Mas é também o lugar onde moram alguns animais. O bicho preguiça era sempre visto no alto de alguma árvore onde ficava no mesmo lugar quase o dia inteiro. O jacu surgia ao entardecer e o tucano pela manhã, bem cedinho. Além de sabiás, saíras, tico-tico, e outros pássaros. Ninguém incomodava os bichos e eles também não perturbavam os passantes, a não serem os pombos que, lá do alto, largavam os seus petardos na cabeça ou blusa de algum incauto.

Cesar era meu companheiro de traquinagem pela praça, mas havia uma coisa que eu gostava de fazer sozinho. Ficar na espreita observando um certo casal que aproveitava o cair da tarde para fazer bolinagem num banco que eles descobriram. Ficava um pouco mais escondido dos passantes habituais. Eu já vinha observando-os e fugia dos companheiros nessa hora. Ficava bem escondidinho numa moita e em profundo silêncio para ver os afagos acalorados do casal. Muitas vezes eu os vi transando enquanto eu me masturbava atrás da moita. La no alto ficava o preguiça bronhando na árvore. Não sei se excitado com as investidas do jovem casal. Mas o fato é que muitas vezes eu o vi naquele lugar, justo naquela hora em que eu estava no auge da minha função de voyeur.

Numa dessas noitinhas de verão, o casal estava lá em franca senvergonhagem e eu estrategicamente posicionado com o membro em riste e com as calças arriadas. Sem perceber, o bicho preguiça aproximou e agarrou-me pelas pernas, como se quisesse subir e eu fosse árvore. Ele agarrou-me com força quase enfiando as suas unhas afiadas em minha carne. Um de seus dedos pegou o meu pênis junto com meus dedos. A dor que eu sentia era tão forte que eu não me importaria em denunciar a minha presença exercendo o ménage a troi clandestino sem consentimento do casal. O seu corpo era tão quente que parecia estar com febre e exalava um cheiro fétido. Não sei por quanto tempo eu fiquei hirto fazendo caretas até que ele resolveu ir embora como veio. Só então foi que eu reparei a presença do casal a minha frente. Olhavam-me com um misto de pena, piléria e raiva por terem sido pegos em flagrante na sua intimidade. Nada fizeram, apenas afastaram-se dali.

Eu nunca mais fui lá. Soube, mais tarde, que César e outros dois amigos passaram a frequentar aquele local. Já eram outros casais que faziam as mesmas coisas. Do preguiça, nunca mais se ouviu falar.

Passados alguns anos, já na condição de professor universitário eu vim para o Rio de Janeiro, desenvolver a minha vida pessoal e profissional. Certo dia eu revi aquele casal. Casados desde aquela época. Como eu soube depois, tinham um filho que já era um compositor famoso de música popular brasileira. Nesse dia eu proferia uma palestra num congresso de economia e os vi na platéia. Confesso que fiquei incomodado com a presença deles, mas eles não demonstram nenhuma lembrança daquele acontecimento. Talvez até nem se lembrassem de mim, o que me deixou um pouco mais a vontade. Ao final da palestra não os vi entre aqueles que ficam mais tempo para dizer alguma coisa ou cumprimentar o palestrante. Tanto melhor, pois eu sentiria mais vergonha agora do que naquele dia em que eu ainda era jovem e um pouco impetuoso.

Cheguei até a fantasiar que se seu filho conhecesse aquela historia, quem sabe, poderia compor uma canção. Depois pensei: se fosse macaco daria música, mas preguiça!

Um comentário:

Anônimo disse...

Rogério,
muito bom!
Acho que esqueceram de contar que vários macaquinhos, duas baratas insensatas, quatro besouros , um gato gatuno, oito minhocas, duas salamandras malandras, um percevejo bêbado, três cachorros e um urubu também assistiram a cena. Não se tem notícia de anões besuntados ou de mulheres contorcionistas. Sabe-se que horas após o descrito aconteceu feroz e selvagem bacanal lésbico de formigas. É pouca vergonha! É o apocalipse!
Um abraço do
Ribas.